Encontramos, em ambos os países, seis perfis de utilização: dois sem utilização prevalecente, que se caracterizam mais pela intensidade de utilização (moderado, hiperconectado), e quatro em que se observa uma utilização prevalecente (organizado, socializador, impetuoso e escapista). 

A partir do estudo realizado, em que o artigo se baseia, são poucas as diferenças observadas entre ambos os países nos perfis moderado, organizado e socializador do telemóvel. Em contrapartida, os perfis impetuoso, escapista e hiperconectado em Espanha são mais acentuados do que em Portugal. Também em Espanha, os utilizadores de perfil impetuoso recorrem mais às apostas e à pornografia; e os escapistas, à evasão, ao entretenimento e à procura de afetos e informações sobre outras pessoas. 

Relativamente à intensidade nas diferentes utilizações, os moderados (43% em Portugal e 42% em Espanha) recorrem menos ao telemóvel do que a média nacional (representada no gráfico pelo círculo interior, correspondente ao valor 1). Em contrapartida, os hiperconectados (19% em Espanha e 18% em Portugal) declaram uma utilização relativamente superior em todos os âmbitos à dos seus coetâneos. Entre os organizados, predomina a organização, a saúde, os estudos e a procura de informações (10% nos dois países). Os socializadores (10% em Espanha, 8% em Portugal) focam-se na comunicação e em ver o que as outras pessoas fazem (bisbilhotar). As apostas e a pornografia são mais características dos perfis impetuosos (10% em ambos os países), e a evasão e o entretenimento, dos escapistas (10% em Portugal e 9% em Espanha). 

Tanto em Portugal como em Espanha, determinados perfis implicam menor controlo na utilização problemática do telemóvel. Um autocontrolo deficiente na utilização do telemóvel implica experiências como as de deixar de fazer planos por culpa do telemóvel, ter problemas de concentração nas aulas ou no trabalho, sofrer por não ter o telemóvel, verificar constantemente o dispositivo para não perder conversas ou que os outros se queixem de que usamos demasiado o telemóvel. 

Os jovens que usam pouco o telemóvel, ou o usam principalmente para tarefas de organização, apresentam uma maior capacidade de controlo. Os escapistas e os hiperconectados, por sua vez, apresentam dificuldades de autocontrolo na utilização do telemóvel.

As associações entre a capacidade de autocontrolo e o perfil de utilização do telemóvel são semelhantes em Portugal e Espanha. Não obstante, sublinha-se uma exceção rara: em Espanha, os impetuosos afirmam controlar mais a utilização do telemóvel (+5%) do que a média nacional, o que não é observado em Portugal (-3%). 

Em ambos os países, os jovens que têm uma relação mais sã com o telemóvel são os que o usam menos do que os seus coetâneos para a maioria das atividades (moderados) e o que recorrem a ele para organizar tarefas, para estudar ou para monitorizar a saúde (organizados). Os socializadores, em contrapartida, têm menos autocontrolo do que a média, em ambos os países. Os escapistas e os hiperconectados são os que, numa proporção muito maior, apresentam uma forte dependência do telemóvel nos dois países.

Os jovens de 20 a 24 anos apresentam níveis de satisfação relacional semelhantes em Portugal e Espanha. Importa destacar, em primeiro lugar, que a satisfação com os amigos é, em média e para ambos os países, ligeiramente superior à satisfação familiar; em segundo lugar, que a satisfação com a família e com os amigos é habitualmente superior em Portugal.

Em geral, o perfil socializador é o que recolhe mais jovens satisfeitos com as suas relações. As maiores diferenças entre países são observadas no perfil escapista: em Portugal, 4% destes jovens estão mais satisfeitos com a família do que em Espanha, e esta diferença ascende a 7% no caso da relação com os amigos.

O estudo realizado mostra, além disso, que os jovens de perfil socializador são os que estão mais frequentemente satisfeitos nos dois países. Não obstante, o comportamento dos escapistas é mais diversificado: em ambos os países, apresentam menores índices de satisfação com a família do que outros perfis; relativamente à relação com os amigos, ultrapassam em satisfação os organizados em Espanha, e todos menos os socializadores em Portugal.

Diversamente do observado para a satisfação relacional – ligeiramente superior para o caso de Portugal –, a satisfação com o trabalho ou os estudos e o lazer é superior entre os jovens espanhóis. De modo geral, também se destaca que, tanto em Portugal como em Espanha, a satisfação com o tempo livre é menor do que com o trabalho ou os estudos. Contudo, as diferenças entre países são maiores do que as observadas em relação à satisfação relacional.

Os perfis hiperconectado e moderado são muito semelhantes em ambos os países, embora o hiperconectado esteja mais satisfeito com o trabalho e o lazer do que o moderado. Não obstante, noutros perfis as diferenças são maiores. Entre países, a maior diferença é encontrada na comparação com a satisfação com o trabalho dos impetuosos (Espanha, 89%, e Portugal, 77%) e com a satisfação com o lazer dos escapistas (Espanha, 71%, e Portugal, 55%).

Os dados do estudo realizado indicam que a satisfação com o trabalho e o lazer varia entre países e perfis de utilização, e que é conveniente estudar caso a caso cada tipo de utilizador. Por exemplo, em relação ao trabalho, pode sublinhar-se que em Espanha os organizados (que usam o telemóvel mais para a planificação de tarefas, calendário, etc.) sentem a mesma satisfação que os impetuosos (que o usam mais emocionalmente), e menos que os socializadores (que procuram ligar-se com maior frequência). Em Portugal, os hiperconectados são os mais satisfeitos com o trabalho, acima de outros perfis. 

Entre países, as diferenças em bem-estar são pequenas, salvo nos organizados, que demonstram maior bem-estar em Espanha, e nos socializadores, em Portugal. Não obstante, as diferenças em mal estar são maiores.

Em Portugal há uma diferença de 48 pontos percentuais entre os que declaram menos mal-estar (socializador, -17%) e os que demonstram mais mal-estar (hiperconectado, 31%). Em Espanha, a diferença em mal-estar nesses dois grupos é de 38 pontos (socializador, -12%; hiperconectado, 26%).

O mal-estar é frequentemente associado a uma maior intensidade na utilização do telemóvel; de certo modo, os dados do estudo corresponderiam a esta conclusão, visto que os moderados apresentam menos mal-estar do que os hiperconectados – os restantes grupos situam-se habitualmente entre estes dois extremos. Não obstante, importa indicar que não sentir mal-estar não significa gozar de bem-estar. Para o bem-estar, mais do que a intensidade, é importante a motivação na utilização do telemóvel: os perfis organizado e socializador gozam de maior bem-estar do que o resto dos perfis, e o escapista apresenta menor bem-estar do que o hiperconectado. 

Este artigo documentou pequenas diferenças relativamente aos perfis de utilização do telemóvel em Portugal e Espanha, e diferenças um pouco maiores na associação entre esses perfis e o nível de satisfação dos jovens em diversos aspetos da sua vida. Em conjunto, os jovens em Portugal sentem-se ligeiramente mais satisfeitos com as suas relações pessoais (família e amigos) do que os espanhóis, e os jovens em Espanha sentem-se ligeiramente mais satisfeitos com o trabalho e o lazer do que os portugueses. 

Por outro lado, também em conjunto, os jovens portugueses gozam de níveis de bem-estar um pouco maiores e sentem níveis de mal-estar um pouco menores. Apesar destas conclusões, parece precipitado falar de um «efeito país» na utilização do telemóvel, já que muitas destas diferenças entre países são matizadas (e, nalguns casos, invertem-se) quando se observam as motivações no momento de usar o telemóvel e se comparam jovens de diversos perfis. Por outras palavras, independentemente do país em que se encontram, determinadas utilizações (hiperconectado, escapista) do telemóvel estariam associadas a uma menor satisfação e a um maior mal-estar.

Assim, sem obviar pequenas diferenças culturais, pode concluir-se que a satisfação e o bem-estar dos jovens são maioritariamente marcados, tanto em Portugal como em Espanha, pelas suas motivações na utilização do telemóvel, mais do que pelo país de procedência. 

Importa recordar que o estudo em que este artigo se baseia é transversal: tira uma fotografia fixa e não estuda as mudanças no comportamento dos jovens entrevistados ao longo do tempo. Por isso, não permite estabelecer causalidade entre os perfis de utilizador do telemóvel e as variáveis estudadas. Seria precipitado concluir, a partir do exposto no presente artigo, que determinadas utilizações do telemóvel causam maior satisfação, ou níveis mais elevados de mal-estar ou bem-estar. De facto, não é possível descartar que seja precisamente o inverso: que o mal-estar e a insatisfação sejam as causas de um determinada utilização do telemóvel, ou que o bem-estar gozado por alguns jovens seja o motivo por que utilizam mais moderadamente ou intencionalmente o telemóvel. 

Para investigar questões de causalidade, o projeto em que este artigo se integra obterá quatro ondas de informação em Espanha e duas em Portugal; isto irá permitir seguir os jovens entrevistados ao longo do tempo, e observar as alterações tanto da sua utilização do telemóvel como do seu bem-estar. 

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