No nosso mundo feito de interligações, as redes sociais desempenham um papel fundamental na comunicação, na partilha de conhecimento e na construção de comunidades. No entanto, este cenário digital tem testemunhado um aumento preocupante do discurso de ódio online que ameaça não apenas as vítimas, mas também a coesão social, o bem-estar social e, em última instância, a democracia. 

O discurso de ódio pode ser entendido como qualquer expressão oral ou escrita destinada a difamar, insultar, desumanizar ou incitar a violência contra as pessoas simplesmente com base na sua pertença a um grupo social desfavorecido. De salientar que se trata de uma manifestação de uma ideologia de ódio, que se sustenta num conjunto de crenças e atitudes que promovem e justificam a discriminação, o preconceito e a hostilidade contra certos grupos de pessoas, com base em características como raça, etnia, religião, género, orientação social ou qualquer outra característica percebida como diferente. 

Este artigo propõe que o discurso de ódio online pode ser abordado através da redução do silêncio das testemunhas (o efeito do espectador). No entanto, nem todas as respostas são eficazes no combate a conteúdos de ódio: as testemunhas podem confrontar o agressor ou apoiar a vítima através de comentários públicos e de mensagens privadas. Estas ações, embora comuns, podem ser ambíguas, inapropriadas ao até ilegais, podem provocar uma escalada do conflito e, em última instância, não contribuir para a redução do discurso de ódio online. Em contrapartida, a utilização de mecanismos institucionais de denúncia de comportamentos permite identificar melhor o âmbito do discurso de ódio, medindo com maior precisão o número de ocorrências e possibilitando a caracterização das manifestações do discurso de ódio. Este diagnóstico é essencial para que se possam planear e implementar medidas que visem diminuir o discurso de ódio nas redes sociais. 

O presente estudo testou a eficácia de dois fatores psicológicos fundamentais para contrariar a tendência natural para a passividade dos espectadores em relação ao discurso de ódio online: a tomada de perspetiva (ou seja, colocar-se na posição das vítimas de ódio) e as normas prescritivas (ou seja, as regras sociais que indicam qual a ação apropriada face à conduta imoral dos outros). Investigações anteriores sugerem que o efeito combinado dos processos de tomada de perspetiva e da saliência das normas prescritivas institucionais pode estimular, por um lado, empatia para com as vítimas de ódio e, por outro, a autorregulação moral psicológica relativamente ao mau comportamento discriminatório, encorajando os indivíduos a denunciar o discurso de ódio online por eles testemunhado. 

No estudo, realizado em Portugal, 226 participantes acreditavam estar a participar num campeonato académico: as Olimpíadas Europeias Universitárias. Os participantes foram alocados aleatoriamente em uma de quatro condições de grupo: 51 participantes não receberam qualquer estímulo ou informação (grupo de controlo), 56 foram expostos apenas ao estímulo de tomada de perspetiva; 62 foram expostos apenas a normas institucionais sobre discurso de ódio, e 57 foram expostos tanto ao estímulo de tomada de perspetiva como a um conjunto de normas prescritivas institucionais. Em todos os grupos, um suposto membro da equipa publicou mensagens usando palavras e expressões do português brasileiro, criando, assim, a impressão de que o membro era um imigrante do Brasil. Como parte da experiência, esse membro foi alvo de uma mensagem de ódio no chat.

A tomada de perspetiva envolve a capacidade de ver uma determinada situação do ponto de vista de outra pessoa. Assim, é esperado que aumente os sentimentos de empatia, compaixão e cuidado para com as vítimas do discurso de ódio, e também que promova atitudes mais positivas, reduzindo simultaneamente o viés, o preconceito e o comportamento discriminatório. Induzir a empatia não melhora apenas as atitudes positivas dos indivíduos em relação a todo um grupo vitimizado (como, por ex., os imigrantes), como também é eficaz para contrariar a passividade dos espectadores, ao encorajar comportamentos pró-sociais em relação a esse grupo, o que pode ser aplicado nos casos em que os indivíduos testemunhem crimes de ódio, estimulando comportamentos de ajuda, como confortar a vítima ou denunciar mau comportamento. 

Para encorajar a tomada de perspetiva, foi pedido a metade dos participantes que se imaginassem a viver num planeta alienígena chamado Dorothy, onde se deparariam com os mesmos constrangimentos situacionais (por exemplo, discriminação e discurso de ódio) semelhantes aos experienciados pelos imigrantes. Este exercício foi apresentado como uma tarefa inicial independente e não relacionada com o campeonato. O estímulo de tomada de perspetiva revelou ser uma estratégia eficaz para promover o comportamento de denúncia. De facto, foi observado que uma percentagem maior de participantes expostos a este estímulo utilizou o botão de denúncia (53%), em comparação com os participantes que não foram expostos (41%). 

As normas prescritivas servem de orientações sociais para um comportamento adequado que respeite os valores fundamentais defendidos por um determinado grupo ou sociedade (como os direitos humanos e a justiça social). O respeito pelas normas antidiscriminação, que encorajam a intolerância em relação a comportamentos discriminatórios e a adoção de procedimentos normativos específicos que reflitam essa intolerância, é crucial para motivar os indivíduos a agir contra comportamentos de incitação ao ódio. Assim, a saliência das normas prescritivas institucionais, que proclamam a tolerância zero para com o discurso de ódio e que estabelecem qual o procedimento correto após testemunhar tal mau comportamento, estimulam a autorregulação moral orientada para a conformidade com o comportamento normativo previsto. Neste estudo, no contexto das Olimpíadas Universitárias Europeias fictícias, a norma prescritiva institucional salientada punha em destaque a posição da universidade contra a discriminação e o discurso de ódio, tornando claro que este tipo de incidente não seria tolerado e deveria ser denunciado. Os participantes atribuídos a condições das normas prescritivas receberam esta informação no momento da apresentação das instruções para as Olimpíadas, ao passo que os participantes na condição de apenas tomada de perspetiva e o grupo de controlo não receberam esta informação. Os participantes expostos às normas prescritivas institucionais utilizaram o botão de denúncia em maior proporção (58%), em comparação com os participantes que não foram expostos a esta informação (41%). 

A presença combinada da tomada de perspetiva e das normas prescritivas institucionais resultou numa mais forte denúncia do discurso de ódio contra um membro da equipa identificável como imigrante (68%), estatisticamente diferente do grupo de controlo. É importante notar que esta combinação da tomada de perspetiva e normas prescritivas contrariou uma tendência maioritária do cenário base de adoção de um comportamento passivo por parte dos espectadores (59% dos participantes no grupo de controlo) e envolveu significativamente os indivíduos na adoção de uma ação normativa (68% dos participantes denunciaram mau comportamento). Curiosamente, os resultados também mostraram que os participantes nesta situação combinada (tomada de perspetiva e normas prescritivas institucionais), foram os que menos se envolveram em respostas alternativas, como, por exemplo, escrever no chat para confrontar o agressor (o que tende a fazer escalar em vez de resolver o conflito). Em conjunto, estes resultados mostram que a estimulação da empatia e da autorregulação moral, no sentido da intolerância a comportamentos discriminatórios parecem funcionar em conjunto na diminuição da passividade dos espectadores face ao discurso de ódio e na adoção de comportamentos pró-sociais.

Os resultados sublinham o papel fundamental desempenhado pelos estímulos da tomada de perspetiva e o potencial das normas prescritivas institucionais na promoção do comportamento de denúncia, particularmente quando utilizados em conjunto. Estes dois fatores estimulam mecanismos psicológicos distintos, mas complementares, que contrariam o efeito do espectador no contexto do discurso de ódio online. Embora o estudo se tenha centrado numa mensagem de incitação ao ódio dirigida a imigrantes, os resultados podem provavelmente ser transferidos para outros grupos sociais vulneráveis. É crucial considerar ambos os fatores ao desenvolver campanhas de comunicação, programas de intervenção e estratégias para combater o discurso de ódio. Esta abordagem é essencial para cultivar um sentido de responsabilidade social interna e de empoderamento entre as testemunhas, encorajando a denúncia de casos de discurso de ódio online e promovendo uma utilização responsável das redes sociais. Enfatizar a tolerância zero em relação ao ódio contribui para um ambiente digital que prioriza o respeito pelos direitos humanos, a dignidade humana, a justiça social e o bem-estar das pessoas e da sociedade como um todo. 

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