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1A rejeição da imigração tem bases económicas objetivas.
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2Os trabalhadores empregados nas profissões mais expostas às pressões competitivas do mercado tendem a manifestar uma maior rejeição da imigração, independentemente do seu nível educacional.
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3Um aumento acelerado da imigração seguido de uma grave crise económica é o cenário propício para o crescimento da rejeição da imigração.
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4As pessoas com maiores dificuldades económicas do agregado familiar são aquelas que manifestam a maior rejeição da imigração, para além de outros fatores tais como ideologia e atitudes e valores políticos.
A rejeição da imigração é a base dos discursos nacional-populistas em ascensão na Europa e nos Estados Unidos. Por detrás da rejeição do outro e da xenofobia encontram-se fatores económicos objetivos, tais como o desenvolvimento macroeconómico do país, a vulnerabilidade económica individual e a exposição à concorrência no trabalho. Ideologia, identidades e valores individuais desempenham um papel fundamental na formação das atitudes expressas nesses discursos em relação aos imigrantes, mas seria um erro pensar que a educação em valores por si só seja capaz de reverter os atuais níveis de rejeição.
Introdução
A rejeição da imigração tem uma base económica objetiva? Por outras palavras, a mudança das condições económicas no país pode afetar as atitudes em relação aos imigrantes? E, as condições individuais do local de trabalho também afetam essas atitudes? Para responder a estas questões, foram feitos dois tipos de análise. Em primeiro lugar, foi analisado o impacto da crise económica de 2008-2012 nas atitudes dos trabalhadores nativos em cerca de vinte países europeus. Verificou-se que a rejeição da imigração cresceu mais nos países que sofreram maiores quedas do PIB durante a primeira fase da recessão (2008-2010), especialmente quando estes países tinham também experimentado um elevado crescimento na taxa de imigração nos anos anteriores à crise. Em segundo lugar, foram analisadas as determinantes individuais das atitudes em relação à imigração, tendo sido constatado que tanto a vulnerabilidade económica dos agregados familiares como a exposição dos trabalhadores à concorrência no trabalho aumentaram significativamente a rejeição da imigração na Europa.
1. O impacto da crise nas atitudes em relação à imigração na Europa
O estudo dos efeitos da crise económica de 2008-2012 sobre as atitudes em relação à imigração é de imenso interesse porque a rejeição dos imigrantes está no centro de muitos dos discursos populistas atualmente em ascensão na Europa. Para os investigadores sociais, o estudo desta crise é também enormemente interessante do ponto de vista metodológico, porque oferece uma espécie de experiência natural: um forte choque externo que afeta todos os países da Europa ao mesmo tempo, mas com intensidades diferentes. Esta variação no impacto da recessão torna muito mais fácil identificar a relação causal entre as condições económicas e as atitudes.
A investigação publicada na Socio-Economic Review (Polavieja, 2016) analisou o impacto da primeira fase da crise na mudança de atitudes em relação à imigração entre os trabalhadores europeus, utilizando dados da segunda e quinta vagas do Inquérito Social Europeu, realizado respetivamente em 2004-2005 e 2010-2011, isto é, antes e depois da primeira fase da recessão, que decorre de 2008 a 2010 e é a sua fase mais intensa. O referido estudo utiliza uma amostra representativa de aproximadamente 35.000 trabalhadores nativos de vinte países europeus.
Todos os trabalhadores estavam empregados e tinham entre 20 e 64 anos de idade. A partir destes dados, calculou-se qual tinha sido a mudança média de atitudes em relação aos imigrantes em cada país entre as duas vagas estudadas, uma vez descontadas as diferenças na educação e na estrutura etária e de género da população ativa. As estimativas também tiveram em conta uma longa série de indicadores subjetivos relacionados com atitudes em relação à imigração (ideologia política, confiança social, religiosidade, valores igualitários e propensão para a felicidade), motivo pelo qual a mudança estimada entre as duas vagas pode ser considerada uma mudança líquida.
A Figura 1 mostra pontuações médias numa escala de rejeição da imigração de -10 (menor rejeição da imigração) a +10 (maior rejeição da imigração internacional) para o trabalhador típico em cada um dos vinte países do estudo em 2004, bem como a mudança líquida de atitudes em relação à imigração entre o período de 2004 a 2010. Por trabalhador típico denomina-se aquele que tem pontuações médias em todas as variáveis explicativas do modelo (educação, idade, género e indicadores de controlo subjetivos), ou seja, o trabalhador mais representativo de cada país. O que é que foi descoberto?
Em primeiro lugar, foi descoberto que existe uma grande variação tanto nas atitudes iniciais médias (2004) como na intensidade e direção da mudança. Verificou-se também que os dois parâmetros não estão relacionados, ou seja, a intensidade da mudança durante a crise não depende dos valores iniciais. Focando mais especificamente na magnitude da mudança de atitudes entre 2004 e 2010, cabe salientar o elevado grau de variação observado entre os 20 países analisados. De facto, a rejeição da imigração entre os trabalhadores nativos aumentou significativamente em sete países (Irlanda, Grécia, Espanha, República Checa, Hungria, Eslováquia e Reino Unido), diminuiu significativamente em outros sete (Holanda, Polónia, Dinamarca, Alemanha, Suécia, Portugal e Estónia) e não mostrou nenhuma variação significativa nos seis restantes. Podem estas diferenças observadas na mudança de atitude ser explicadas pela diferente intensidade da recessão nos diferentes países analisados?
2. Determinantes macroeconómicas da mudança de atitudes em relação à imigração: o impacto da crise
Uma simples análise relativa às atitudes em face da imigração e à situação económica permite responder afirmativamente a esta questão sobre as determinantes macroeconómicas. De facto, foi identificada uma correlação estatisticamente significativa entre a intensidade da recessão (medida como a diferença na taxa de crescimento do Produto Interno Bruto entre 2004 e 2010) e a mudança de atitudes. Em geral, quanto mais a situação económica piorava (isto é, quanto mais profunda era a queda do PIB), mais aumentava a rejeição da imigração entre os trabalhadores nativos (Figura 2).
Observa-se por exemplo que, entre 2004 e 2010, o PIB grego caiu 8 pontos percentuais e a rejeição da imigração aumentou em média 0,8 pontos na escala utilizada nesse estudo; enquanto na Alemanha o PIB não caiu, mas cresceu 2,5 pontos percentuais no mesmo período, e a rejeição da imigração diminuiu 0,44 pontos. Em geral, percebeu-se uma tendência que associa a gravidade da crise a uma rejeição crescente. Por outras palavras, a rejeição da imigração foi maior nos países com as maiores quedas do PIB durante a crise. Esta tendência é mostrada pela linha vermelha na Figura 2.
No entanto, a experiência da recessão não é o único fator macroeconómico que importa para explicar a magnitude da mudança nas atitudes dos trabalhadores europeus em relação à imigração. Há outro fator que parece ser igualmente decisivo: a evolução da taxa de imigração antes da crise (Figura 3). Países como a Grécia, Irlanda e Espanha não só sofreram quedas acentuadas no seu PIB durante a primeira fase da recessão, como o fizeram depois de terem registado um rápido aumento na taxa de imigração nos anos anteriores. Mais uma vez é importante notar que não parece ser o próprio número de população estrangeira (a percentagem de imigrantes), mas sim a velocidade do seu crescimento antes da crise o que está a levar (em combinação com a intensidade da recessão) a um aumento da rejeição da imigração na Europa entre 2004 e 2010 (Polavieja, 2016). Em suma, os dados sugerem que a rejeição da imigração aumentou mais nos países que registaram um rápido crescimento da população imigrante antes da crise.
3. Determinantes microeconómicas da rejeição da imigração: as características do emprego
As análises macroeconómicas apresentadas neste artigo coincidem com as chamadas teorias realistas do conflito (ver, por exemplo, Ceobanu e Escandell, 2010), segundo as quais um rápido crescimento da população imigrante, combinado com uma forte deterioração da situação económica, aumentaria a pressão competitiva sobre os trabalhadores nativos. Porém, para demonstrar que a rejeição da imigração tem fundamentos económicos objetivos, não é suficiente estabelecer correlações macroeconómicas, são necessárias também provas que liguem as experiências económicas concretas dos trabalhadores europeus com as suas atitudes em relação à imigração a nível dos dados microeconómicos. Isto requer indicadores individuais de vulnerabilidade económica e exposição à concorrência nos mercados de trabalho.
Até à data de hoje, a maioria dos estudos sobre as determinantes individuais das atitudes em relação à imigração utilizaram o nível educacional dos inquiridos como medida do seu poder de mercado (Mayda, 2006). Muitos estudos têm demonstrado que quanto mais alto é o nível educacional do inquirido, menor é a sua rejeição dos imigrantes (Hainmueller e Hopkins, 2014). No entanto, é problemático focar no nível educacional quando se pretende provar que uma maior concorrência nos mercados de trabalho, causada pela chegada de trabalhadores estrangeiros, gera uma maior rejeição da imigração. Isto porque a educação pode afetar atitudes diretamente e de formas que nada têm a ver com a experiência de trabalho; por exemplo, aumentando a tolerância, o gosto pela diversidade ou o politicamente correto. Por conseguinte, para obter provas diretas das determinantes económicas da rejeição da imigração, são necessários indicadores objetivos que não dependam do nível educacional.
Um estudo anterior (Polavieja, 2016) propôs a utilização de três indicadores de profissões que estão diretamente relacionados com o grau de substituibilidade dos trabalhadores e, portanto, com o seu grau de exposição à concorrência nos mercados de trabalho. Estes indicadores são: 1) a importância da formação adquirida através da experiência no próprio emprego (os requisitos de formação específica do emprego); 2) a dificuldade do empregador em medir com precisão a produtividade do emprego (custos de monitorização); e 3) a combinação das competências de comunicação e manuais necessárias em cada profissão. A formação específica obtida no local de trabalho protege o trabalhador da concorrência externa, fornecendo competências que tornam o trabalhador menos substituível. Entre as profissões com a formação específica mais elevada encontram-se muitas com baixos requisitos de educação formal (por exemplo, instaladores de cabos, produtores de tabaco, relojoeiros, etc.).
Os custos de medição da produtividade (custos de monitorização) estão também diretamente relacionados com o grau de exposição à concorrência no trabalho, uma vez que quanto mais difícil é para o empregador medir a produtividade dos seus trabalhadores, menos expostos estão ao risco de serem substituídos. Por conseguinte, como acontece com a formação obtida no local trabalho, os elevados custos de medição protegem as relações de emprego contra a concorrência externa (Goldthorpe, 2007). Entre os empregos com custos de medição mais elevados (custos de monitorização) estão também muitas profissões que não requerem altos níveis de educação formal, tais como transportadores, metalúrgicos ou empregados de escritório.
Por último, a combinação de competências de comunicação e das habilidades manuais necessárias em cada profissão é outro fator potencialmente decisivo, porque os trabalhadores nativos têm uma vantagem na execução de tarefas que requerem competências linguísticas e conhecimentos culturalmente específicos do seu país. Portanto, quanto maior for o conteúdo comunicativo, menor será a concorrência com o imigrante. Mais uma vez, observam-se variações na combinação de habilidades manuais e competências de comunicação em profissões com requisitos de educação formal muito diferentes (por exemplo, entre psicólogos e cirurgiões, ou entre vendedores e operadores de máquinas). A utilização destas três dimensões objetivas das profissões permite identificar melhor as bases económicas da rejeição da imigração, sem cair nos problemas de interpretação colocados pela utilização do nível educacional.
4. Profissões e atitudes de rejeição da imigração
Mediante a combinação da segunda e da quinta vagas do Inquérito Social Europeu, foi possível calcular o impacto líquido de cada uma destas dimensões profissionais para uma amostra de aproximadamente 35.000 trabalhadores (Figura 4). Um valor positivo indica que, descontando outros aspetos tais como país, género, idade, ideologia e valores sociopolíticos, esta variável ou dimensão aumenta a rejeição da imigração. Em contrapartida, um valor negativo indica uma redução da rejeição da imigração. O impacto da educação formal, representada na primeira barra com um valor negativo, é muito evidente: indica a forma como um nível educacional mais elevado dos trabalhadores reduz consideravelmente a rejeição que estes manifestam pela imigração.
Outros fatores também relevantes para explicar a rejeição da imigração são os três indicadores profissionais objetivos do grau de competência no trabalho dos trabalhadores, nomeadamente: formação específica obtida no local de trabalho, custos de medição da produtividade e competências de comunicação, todos eles com um impacto negativo na rejeição da imigração. De facto, os resultados da segunda, terceira e quarta barras mostram como os inquiridos empregados em profissões que requerem um alto nível de formação específica, empregados em profissões onde é dispendioso medir a produtividade dos trabalhadores e empregados em profissões com alto conteúdo em competências de comunicação tendem a mostrar níveis mais baixos de rejeição da imigração do que os empregados em profissões com baixo nível de formação específica, baixos custos de medição da produtividade e baixo conteúdo em competências de comunicação, respetivamente. Por outras palavras, a exposição à concorrência no trabalho, medida por estes três indicadores profissionais objetivos, aumenta a rejeição da imigração.
Finalmente, a Figura 4 inclui também um indicador de vulnerabilidade económica dos agregados familiares dos inquiridos (quinta barra). Este indicador distingue entre os inquiridos que relatam dificuldades em assumir as despesas dos seus lares e os que não as têm. Como se pode ver no gráfico, os trabalhadores com dificuldades financeiras nos seus lares apresentam pontuações médias significativamente mais elevadas na escala de rejeição da imigração, mesmo depois de neutralizar o efeito das outras variáveis estimadas, isto é, os trabalhadores europeus que declaram que têm dificuldades em assumir as despesas dos seus agregados familiares manifestam uma maior rejeição pela imigração. Entre 2004 e 2010, o número de pessoas em agregados familiares com dificuldades financeiras aumentou consideravelmente na maioria dos países mais afetados pela recessão (na Irlanda aumentou de 13% para 37%, na Grécia de 38% para 59%, na Hungria de 33% para 49% e em Espanha de 13% para 24%, de acordo com estimativas próprias utilizando dados do Inquérito Social Europeu). Este aumento da vulnerabilidade financeira dos agregados familiares relaciona diretamente a recessão com o aumento da rejeição dos imigrantes na Europa.
5. Conclusão e implicações
Os resultados apresentados no presente estudo sugerem que a rejeição da imigração tem uma base económica objetiva. Em primeiro lugar, foi verificado como o cenário macroeconómico mais conducente ao aumento da rejeição da imigração é aquele em que há um aumento acelerado da imigração seguido de uma grave crise económica. Esta é a sequência experimentada pela Irlanda, Grécia e Espanha, três economias com um padrão de crescimento intimamente ligado à bolha imobiliária. Dos vinte países analisados, estes três mostram os maiores aumentos na rejeição da imigração na primeira fase da recessão.
Em segundo lugar, foi verificado que a formação específica, os custos da medição da produtividade e a combinação das competências de comunicação e das habilidades manuais necessárias no trabalho são três dimensões da profissão muito relevantes para o estudo das atitudes em relação à imigração. Estas três dimensões estão relacionadas com o grau de exposição dos trabalhadores à concorrência nos mercados de trabalho. Os dados fornecidos indicam que os trabalhadores empregados nas profissões mais expostas às pressões competitivas do mercado tendem a expressar uma maior rejeição da imigração, independentemente do seu nível educacional.
Finalmente, foi verificado que os trabalhadores que relataram ter tido dificuldades financeiras nos seus agregados familiares também tenderam a apresentar pontuações significativamente mais elevadas na escala de rejeição da imigração, independentemente da sua própria condição de trabalho, características sociodemográficas e atitudes e valores sociopolíticos. A crise de 2008-2012 aumentou a vulnerabilidade económica de muitas famílias europeias, um mecanismo que associa diretamente a situação macroeconómica com a rejeição da imigração.
A rejeição da imigração é a base dos discursos nacional-populistas em ascensão no continente. É parte também da própria base de apoio a Trump nos Estados Unidos. As consequências políticas desta rejeição não podem, portanto, ser minimizadas. Estamos diante de um problema político da maior magnitude. Os resultados apresentados neste estudo questionam as interpretações mais subjetivas desse problema, segundo as quais a rejeição da imigração teria bases fundamentalmente ideológicas. É verdade que os mapas ideológicos, as identidades e os valores dos cidadãos desempenham um papel fundamental na formação das suas atitudes em relação aos imigrantes, mas seria um erro pensar que só a educação em valores pode reverter os atuais níveis de rejeição. Para muitos trabalhadores europeus, a vulnerabilidade económica e a exposição à concorrência no trabalho são experiências muito reais. O populismo alimenta-se dessas experiências tanto ou mais do que dos valores de nossos concidadãos.
6. Referências
CEOBANU, A. M., e X. ESCANDELL (2010): “Comparative analysis of public attitudes toward immigrants and immigration using multinational survey data: a review of theories and research”, Annual Review of Sociology, 36.
EUROSTAT (2015): Real GDP growth rate-volume [12.08.2015].
GOLDTHORPE, J. (2007): On sociology, vol. 2, Stanford, CA: Stanford University Press.
HAINMUELLER, J., e D. J. HOPKINS (2014): “Public attitudes toward immigration”, Annual Review of Political Science, 17.
MAYDA, A. (2006): “Who is against immigration? A cross-country investigation of individual attitudes toward immigrants”, The Review of Economics and Statistics, 88.
OCDE (2015): Foreign-born population [indicador].
O’ROURKE, K. H., e R. SINOTT (2006): “The determinants of individual attitudes towards immigration”, European Journal of Political Economy, 22.
POLAVIEJA, J. (2016): “Labour-market competition, recession and anti-immigrant sentiments in Europe: occupational and environmental drivers of competitive threat”, Socio-Economic Review, 14(3).
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