Publicador de Conteúdo

Artigo

Compreender o crescimento do discurso de ódio online, em Portugal e Espanha: um hiato entre a ocorrência e a denúncia

Isabel R. Pinto, Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP); Universidade do Porto; Catarina L. Carvalho, Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP); Universidade do Porto; Mariana Magalhães, Universidade do Porto; Sara Alves, Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP); Universidade do Porto; Márcia Bernardo, Universidade do Porto; Paula Lopes, Centro de Psicologia da Universidade do Porto (CPUP); Universidade do Porto; Cátia de Carvalho, Universidade do Porto;
Projeto selecionado na apresentação de propostas de investigação social 2020 (LCF/PR/SR20/52550016)

O discurso de ódio online tem consequências graves, tanto para os indivíduos como para a sociedade. Para além dos danos que causa no bem-estar psicológico das vítimas, a disseminação não controlada do discurso de ódio online pode conduzir à normalização da discriminação, intolerância, polarização e violência entre cidadãos, e, portanto, representa uma ameaça à coesão social e ao respeito pelos valores europeus fundamentais. Este artigo apresenta uma revisão da literatura sobre o discurso de ódio, centrando-se sobretudo nos seus antecedentes e consequências. Uma conclusão importante é que os crimes de ódio são difíceis de detetar e registar. De facto, as estatísticas oficiais muitas vezes não refletem a extensão real destas ofensas devido a um hiato que existe entre a ocorrência e a denúncia dos crimes de ódio. O discurso de ódio é um crime de ódio particularmente difícil de detetar e de registar porque a sua definição é muitas vezes ambígua. Mesmo em países onde o discurso de ódio é considerado um crime (como o caso de Portugal e Espanha), as penas aplicadas são poucas e há poucos ou mesmo nenhuma denúncia criminal de discurso de ódio. Os mecanismos de controlo social existentes, quer sejam formais (institucionais) ou informais (redes sociais), têm-se revelado ineficazes ou, pelo menos, insuficientes, uma vez que o número de crimes de ódio denunciados parece estar a aumentar, não apenas em Portugal e em Espanha, mas em toda a União Europeia (pelo menos, nos países onde existem dados disponíveis).
Pontos-chave
  • 1
       O discurso de ódio é uma agressão verbal dirigida a um indivíduo ou grupo, com base em atributos tradicionalmente indicativos de vulnerabilidade social. De acordo com a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE), o racismo e xenofobia são a principal motivação das ameaças baseadas no ódio na UE, representando perto de 2000 casos denunciados em 3370, entre 2016 e 2020. Os dados oficiais de Portugal e Espanha mostram que os migrantes são as vítimas mais frequentes.
  • 2
       O discurso de ódio torna-se mais complexo e caracterizado por nuances de significado em contextos online. Quando as pessoas estão online, tendem a mostrar níveis mais elevados de desinibição, conduta enganosa, falta de empatia e descomprometimento moral relativamente à própria má conduta. Um estudo de 2021, realizado pela Casa do Brasil de Lisboa, mostrou que o principal contexto em que os inquiridos percebiam a existência de discurso de ódio contra os imigrantes em Portugal, era, de facto, o contexto online (32%).
  • 3
       O discurso de ódio é difícil de detetar e de registar. Normalmente, os dados disponíveis centram-se nos crimes de ódio em geral. O Gabinete das Instituições Democráticas e dos Direitos Humanos da OSCE, por exemplo, denunciou 7203 ocorrências relacionadas com ódio, em 2020, mas poderão ter ocorrido muitas mais sem que tenham sido documentadas.
  • 4
       O hiato entre a ocorrência e a denúncia do discurso de ódio pode ser explicado por fatores legais. De facto, de acordo com o EU-MIDIS II, 2016, a falta de consenso legal sobre se o discurso de ódio é um crime e a ineficácia percebida dos mecanismos de controlo existentes nas redes sociais representam a principal razão (> 40%) da não denúncia.
  • 5
       Para além dos fatores legais, existem também motivações sociais para esta lacuna. A falta de denúncia por parte dos espectadores (p. ex., porque não sabem como fazê-la ou por temer retaliações), a diversidade dos alvos e do conteúdo do discurso de ódio, e a legitimação deste comportamento por formadores de opinião aumentam a dificuldade de detetar e, consequentemente, de combater o discurso de ódio.

Classificação

Etiquetas

Temáticas

Conteúdos relacionados

Artigo

O abandono académico no ensino superior: Fatores sociodemográficos, económicos e psicossociais na era pós-pandemia

O estudo revela por que Portugal não atingiu a sua meta de ensino superior e destaca os desafios, económicos e psicossociais, que levam ao abandono académico e oferece insights sobre as dificuldades dos estudantes no contexto pós-pandemia.

Artigo

Sinais subtis de enviesamentos raciais entre professores do 3.º ciclo do ensino básico em Portugal

Em Portugal, os professores fazem recomendações diferentes em função de os estudantes serem negros ou brancos?

Artigo

Desigualdades na investigação sobre as desigualdades da Covid-19: quem tinha capacidade de resposta?

No projeto em que este artigo se baseia, foram analisados os artigos científicos publicados entre janeiro de 2020 e abril de 2021 sobre as desigualdades associadas à Covid-19.

Artigo

O impacto da Covid-19 na Pobreza e Desigualdade em Portugal, e o efeito mitigador das políticas de proteção

Qual foi o impacto da pandemia de Covid-19 na pobreza e na desigualdade em Portugal? Este artigo demonstra em que medida a crise provocada pela pandemia resultou numa perda de rendimentos para a população portuguesa e como o seu impacto foi assimétrico nas várias regiões do país.

Também pode ser do seu interesse

A natureza como espelho e professora no diário de um jovem ativista

Resenha

A natureza como espelho e professora no diário de um jovem ativista


Inclusão Social

Como é que um jovem com autismo se relaciona com o ambiente natural? Esta análise apresenta a obra “Diário de um jovem naturalista”, o testemunho de um rapaz de catorze anos incrivelmente empenhado na conservação e na natureza.

Work4Progress da Fundação ”la Caixa”

Boas Práticas

Work4Progress da Fundação ”la Caixa”


Inclusão Social

O programa Work4Progress da Fundação “la Caixa” pretende ir além do apoio a projetos isolados, promovendo plataformas de inovação social para a experiência e a mudança sistémica.

As relações pessoais dos jovens em Espanha e Portugal: sociabilidade, isolamento e desigualdade social

Artigo

As relações pessoais dos jovens em Espanha e Portugal: sociabilidade, isolamento e desigualdade social


Inclusão Social

Quais os factores que mais contribuem para o isolamento social dos jovens? Analisamos a influência da rede familiar nos países do sul da Europa.