Introdução
Os dados estatísticos da União Europeia relativos ao rendimento e às condições de vida (EU-SILC) mostram que, em dois contextos económicos muito diferentes (em 2012, no auge da crise, e em 2016, na fase de recuperação), concentrar as prestações sociais no apoio à infância é mais eficaz para combater a pobreza infantil do que as canalizar para toda a população com base no rendimento.
1. A pobreza infantil durante a crise económica
A redução da pobreza infantil é um dos grandes desafios que as sociedades enfrentam para atingir maiores níveis de integração, coesão e eficiência económica, agora e no futuro. As carências na infância têm consequências que vão além desta fase da vida: as crianças que crescem em agregados familiares pobres apresentam piores resultados académicos e, subsequentemente, níveis de rendimento e de saúde mais baixos do que as crianças que crescem em agregados familiares sem dificuldades económicas. Em última análise, a pobreza infantil significa que a desigualdade se mantém e se torna economicamente ineficiente para a sociedade no seu conjunto.
Uma criança é considerada em risco de pobreza quando vive num agregado familiar cujo rendimento, depois de ter em conta as prestações sociais, está abaixo do limiar de 60% do rendimento médio do país. Aplicando este critério, em 2017, 28,3% dos menores espanhóis e 20,7% dos menores portugueses estavam em risco de pobreza (Eurostat, 2017). Para Espanha, esta cifra representa um aumento de um ponto percentual em relação a 2008, antes da crise económica. Em contrapartida, em Portugal, o risco de pobreza infantil diminuiu em pouco mais de dois pontos percentuais em relação a 2008 (Figura 1).
Embora a evolução do risco de pobreza desde 2008 tenha sido parecida nos dois países, com um pico em 2014 seguido de uma redução gradual até 2017, no caso de Espanha, o crescimento da pobreza infantil durante a crise foi mais pronunciado e a sua subsequente redução está a ser menor.
O risco de pobreza infantil tem estado ligado ao nível de desemprego, uma vez que os menores vivem predominantemente em agregados familiares onde o rendimento é obtido a partir do trabalho. No entanto, é de se notar que, apesar da melhoria do emprego em resultado da recuperação económica, o risco de pobreza infantil permanece acima dos níveis pré-crise. Este facto sugere que, para compreender o fenómeno da pobreza infantil, mais do que o próprio índice de desemprego, é necessário considerar outros aspetos do mercado de trabalho, tais como o número de horas trabalhadas ou o salário médio.
Em qualquer caso, uma das principais formas pelas quais os Estados podem aliviar situações de pobreza em geral e de pobreza infantil em particular é através das prestações sociais.
2. Atender à população com base no rendimento ou focar no apoio à infância?
Para compreender o impacto das prestações sociais na pobreza infantil, é importante considerar tanto a despesa total feita como a distribuição da despesa por tipo (visando o apoio à infância, reforma, desemprego, sobrevivência, exclusão social, etc.) e a sua natureza mais ou menos condicionada pelo nível de rendimento dos beneficiários.
Em Espanha, a despesa total em prestações em dinheiro (desemprego, reforma, sobrevivência, doença, invalidez, bolsas de estudo, ajuda à família e apoio à infância, exclusão social, ajuda à habitação) foi inferior à média europeia em 2016: 1,3 pontos percentuais menos (Figura 2); porém, a diferença em relação à UE diminuiu desde 2008, principalmente como resultado do aumento da despesa com prestações e subsídios de desemprego.
Espanha e Portugal, ambos com despesas familiares e de apoio à infância muito abaixo da média europeia, são dois dos países europeus que reduzem menos o risco de pobreza infantil através de prestações sociais (Figura 3). Estas reduções foram maiores em 2012 do que em 2016, refletindo a especial importância do efeito tampão das prestações durante a grave recessão vivida por ambos os países.
Os países europeus que mais reduzem o risco de pobreza infantil através de prestações sociais são a Áustria, Dinamarca, Suécia e Alemanha. Ao contrário de Espanha e Portugal, estes são países com elevados níveis de despesa social e sistemas de proteção da infância baseados em prestações universais. Tais prestações, como o abono de família da Suécia, são um direito subjetivo de toda a população pelo facto de se ter um filho ou criança a cargo e são pagas independentemente do rendimento individual ou do agregado familiar. Em geral, a quantias pagas por estes sistemas universais são geralmente mais generosas do que as dos sistemas baseados nas condições de rendimento e, como beneficiam a uma população maior, atraem um apoio social considerável e são, portanto, menos suscetíveis de serem cortadas em tempos de austeridade.
Em qualquer caso, as despesas de Espanha e Portugal em termos de prestações familiares e de apoio à infância são muito mais baixas do que a média europeia. Apesar de uma ligeira retoma após os piores anos da crise, o investimento nesta área em Portugal representa 0,8% do PIB, apenas a metade da média europeia. Quanto a Espanha, o investimento nesta área é ainda mais baixo: cerca de 0,5% do PIB, a percentagem mais baixa da União Europeia.
Em termos relativos, Espanha está entre os cinco países europeus com a mais baixa percentagem de prestações sociais de apoio à infância (Figura 4): apenas 3,3% do total em 2016, em comparação com o 9% da média europeia. Como resultado da crise, a percentagem de prestações sociais destinadas a famílias e crianças em relação ao total caiu em 2012, tendo sido retomada em 2016. Em Portugal, a percentagem foi de 4,5% tanto em 2012 como em 2016. Isto mostra dois factos: por um lado, que não tem havido uma política forte de prestações destinadas às famílias e de apoio à infância, quer nos bons tempos, quer nos maus. Por outro lado, que estas prestações respondem menos bem do que outras às flutuações cíclicas da atividade económica, particularmente as prestações de desemprego. Por outras palavras, enquanto as prestações de desemprego aumentam imensa e automaticamente em tempos de crise, o mesmo não acontece com as prestações para as famílias e de apoio à infância, cuja resposta à situação económica é muito menor e mais tardia, uma vez que são concedidas com base no rendimento do ano anterior.
Neste contexto de recursos limitados, é muito importante saber a quem se devem destinar os referidos recursos e qual a melhor forma de os investir. A este respeito, Bárcena-Martín et al. (2018) avaliaram pormenorizadamente o impacto das prestações familiares a partir dos dados de rendimento e condições de vida na União Europeia (EU-SILC). A sua análise não deixa margem para dúvidas: concentrar as prestações sociais no apoio à infância é mais eficaz no combate à pobreza infantil do que as canalizar para toda a população com base no rendimento.
Ambas as abordagens reduzem a taxa de risco de pobreza infantil, mas as prestações condicionadas ao rendimento fazem-no em menor escala. Mais especificamente, se redistribuirmos as prestações sociais, aumentando em um ponto percentual as despesas com prestações exclusivamente condicionadas ao rendimento, a probabilidade de uma criança entrar em risco de pobreza reduz-se entre 2% e 2,3%. Em contraste, se aumentarmos as despesas destinadas ao apoio à infância no mesmo ponto percentual, a mesma probabilidade reduz-se entre 5,7% e 6,5%, ou aproximadamente três vezes mais. Estas diferenças mantêm-se tanto em 2012 como em 2016.
No entanto, as variações temporárias são importantes quando o emprego é levado em conta. Assim, pode-se ver que, em 2012, o nível de emprego de um país estava em grande parte relacionado com o risco de pobreza infantil. Em contraste, em 2016, a própria situação do emprego deixa de ser um fator explicativo fundamental da pobreza infantil. Esta diferença indica que, em contextos de emprego precário e elevados níveis de trabalho temporário e a tempo parcial, como é hoje o caso em muitos países europeus, o emprego em casa e a pobreza infantil não parecem estar fortemente correlacionados. Por outras palavras, o que importa não é tanto se se trabalha ou não, mas o quanto se trabalha e em que condições.
Em qualquer caso, a limitação desta análise deve ser tida em conta pelo facto de não considerar outras variáveis como podem ser os auxílios tributários concedidos mediante deduções fiscais por filhos, que, no caso de Espanha, existem e beneficiam sobretudo as classes médias.
3. Conclusões
A pobreza infantil é um problema que, em países como Espanha e Portugal, transcende o ciclo económico. As taxas de risco de pobreza infantil, que já eram elevadas nestes dois países antes da crise económica, agravaram-se durante a crise e ainda não atingiram os níveis pré-crise. As evidências sugerem que as prestações focadas no apoio à infância são uma melhor opção de política pública para combater a pobreza infantil do que as prestações genéricas condicionadas ao rendimento.
4. Referências
BÁRCENA-MARTÍN, E., M. C. BLANCO-ARANA e S. PÉREZ-MORENO (2018): «Social transfers and child poverty in European countries: propoor targeting or pro-child targeting?», Journal of Social Policy, 47(4).
EUROSTAT, http://ec.europa.eu/eurostat/data/ database.
EU-SILC longitudinal UDB (2012), versão Agosto 2015, Bruxelas: Eurostat.
EU-SILC longitudinal UDB (2016), versão Novembro 2018, Bruxelas: Eurostat.
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