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1Portugal e Espanha são países vizinhos reunidos num processo de convergência económica e científica através da adesão à Comunidade Económica Europeia.
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2Após um período de crescimento sustentado na intensidade de I&D em Portugal e Espanha, o investimento em I&D estagnou no seguimento da Grande Recessão de 2008 e só recentemente foi retomado.
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3Em 2019, Portugal e Espanha gastaram, respetivamente, 1,40% e 1,25% do produto interno bruto em I&D, o que ainda é bastante inferior ao objetivo de 3% da União Europeia.
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4A I&D do sector empresarial também está bastante longe do objetivo de 2% do PIB, situando-se em 0,73% em Portugal e 0,70% em Espanha.
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5O emprego em investigação, o impacto científico e tecnológico, e o impacto social melhoraram nos dois países.
Ciência e Inovação em Portugal e Espanha: desafios semelhantes, trajetórias diferentes
A Ciência e a tecnologia evoluíram por caminhos paralelos em Portugal e Espanha após o início da democracia nos dois países e à entrada de ambos na Comunidade Económica Europeia (CEE), que mais tarde se tornou a União Europeia (UE). As respetivas trajetórias contêm outros pontos em comum, incluindo a fraca colaboração entre a academia e a indústria. Os dois sistemas também apresentam diferenças importantes, sendo especialmente significativa a governação regional. Este artigo explora algumas das principais características, comuns e distintas, da evolução de ambos os sistemas para a sua configuração atual.
1. Atraso económico e falta de visão
No século XX, Espanha e Portugal tiveram regimes autoritários. Em 1970, antes do início da democracia, ambos os países estavam muito mais atrasados economicamente do que os países vizinhos europeus e o rendimento per capita de ambos era muito inferior ao dos países do G7 mais desenvolvidos. Nesse ano, o rendimento per capita de Espanha ficou em 72% da média dos países do G7, e o de Portugal em 55%. Durante este período, também existiu falta de investimento em investigação, juntamente com controlo político das universidades e da investigação, o que conduziu à migração de investigadores talentosos, apesar da implementação inicial de políticas para a educação de jovens investigadores, designadamente através de formação, ao nível de doutoramento, no estrangeiro.
2. Progresso e cooperação na União Europeia
A seguir ao período das ditaduras, quando Portugal e Espanha tinham relações bilaterais limitadas, ambos os países procuraram a adesão à CEE, e tornaram-se membros no mesmo dia: 1 de janeiro de 1986. Desde então, os níveis de bem-estar melhoraram significativamente nos dois países, embora com flutuações ao longo dos ciclos económicos. Aproximaram-se gradualmente da média da UE até à primeira década deste século, tendo o processo de convergência sofrido um revés significativo com o início da Grande Recessão em 2008.
3. Avanços na consolidação dos sistemas de investigação
Ao longo dos anos, as atividades de investigação e desenvolvimento (I&D) têm sido reconhecidas, em ambos os países, como um importante pilar do bem-estar e uma condição necessária para o crescimento económico sustentável. No contexto da «europeização», os sistemas de investigação e inovação (I&i) em Portugal e Espanha têm sido consolidados lentamente, mas de forma significativa. Partindo de contextos semelhantes, os países desenvolveram trajetórias paralelas ao longo de um processo de convergência em Ciência, tecnologia e inovação, embora passando por ciclos diferentes. Quando Portugal e Espanha aderiram à CEE, os respetivos investimentos em I&D eram de 0,34% e 0,51% do PIB; em contrapartida, o investimento da Alemanha em I&D era mais de cinco vezes maior: 2,63% do PIB.
A distância entre Portugal e Espanha e a média da UE foi reduzida progressivamente e, em 2000, quando Portugal deteve a presidência rotativa da UE, os Estados-Membros assumiram o compromisso da Estratégia de Lisboa, que visava o crescimento suportado por uma economia baseada no conhecimento. Posteriormente, na Cimeira de Barcelona em 2001, os Estados-Membros da UE estabeleceram o objetivo de alcançar em 2010 um investimento em I&D de 3% do PIB. Contudo, este objetivo está longe de ser atingido em diversos Estados-Membros, incluindo Portugal e Espanha. O progresso tem sido instável, com importantes retrocessos na última década que espelham a instabilidade económica. No entanto, após 35 anos de integração europeia, o investimento em I&D em Portugal e Espanha situa-se agora no nível de 66% e 60% da média da UE, respetivamente, e os dois países reduziram de forma significativa a diferença em relação à Alemanha e a outras economias avançadas da União.
4. A União Europeia tem sido essencial para o progresso da Ciência
A entrada de Portugal e Espanha na CE também foi instrumental para dar maior peso à Ciência e inovação nas políticas de coesão, inicialmente mais focadas em investimentos mais tangíveis. A partir de meados da década de 1990, as políticas regional e de coesão da UE integraram investigação, desenvolvimento e inovação (I&D&i) nos objetivos. Desde dessa altura, os Fundos Estruturais da UE, que apoiam a coesão e a convergência entre os Estados-Membros da UE e as suas regiões, representam uma percentagem muito importante do financiamento de infraestruturas e recursos humanos para a I&D em Portugal e Espanha. Esta contribuição tem sido ainda maior do que a do financiamento direto para organizações de investigação através dos Programas-Quadro da UE, o instrumento europeu dedicado a prestar apoio direto à investigação e à inovação.
Por exemplo, de acordo com um relatório da Royal Society de Londres, elaborado com dados procedentes das Perspetivas Financeiras da UE (2007 2013), 90% das transferências da UE para apoiar a I&D em Portugal foram efetuadas através dos Fundos Estruturais, enquanto apenas 63% do apoio total da UE à I&D para Espanha vieram desses fundos; em ambos os casos, o restante chegou através do financiamento do Programa-Quadro de Investigação e Desenvolvimento Tecnológico da UE. Com o início do Quadro Financeiro Plurianual de 2021 2027, a UE continua a financiar a I&D, sendo esperado um auxílio adicional nos próximos anos através dos Fundos de Recuperação e Resiliência de 2021.
5. Um desafio partilhado: investimento privado e colaboração Ciência empresas
Portugal e Espanha fizeram progressos no tocante ao investimento em I&D, mas na sequência do impasse provocado pela crise económica de 2008 estes sistemas de investigação ainda estão longe de alcançar o objetivo de 3% do PIB. Partilham o mesmo desafio: ultrapassar o baixo investimento em I&D do sector empresarial, que tem efeitos negativos no crescimento a longo prazo, nas alterações estruturais na economia e no bem-estar social, assim como nas oportunidades para a geração mais jovem, e mais qualificada. Nesta área, infelizmente, houve pouca convergência com os países vizinhos ou progressos em direção ao objetivo da UE de 2% do PIB para a despesa empresarial em I&D. Contudo, Portugal está a demonstrar alguns sinais positivos, com o investimento privado em I&D a ultrapassar o investimento do sector público.
6. As economias de Portugal e Espanha continuam especializadas em sectores de baixa tecnologia
O fosso significativo no investimento empresarial em I&D está relacionado com a composição sectorial das indústrias portuguesa e espanhola. Sectores de baixa e média-baixa tecnologia – caracterizados por baixos níveis de investimento em I&D – ainda representam uma percentagem significativa do emprego e da atividade económica. Esta situação é suscetível de afetar o investimento empresarial local em I&D. De facto, Portugal e Espanha saem-se significativamente melhor quando o indicador sobre a intensidade de I&D é ajustado à composição sectorial das respetivas economias, refletindo a debilidade em sectores de alta tecnologia. Os dois países têm de superar a diferença em relação às economias líderes e contribuir para melhorar a dinâmica da inovação nas suas economias. As empresas com potencial tecnológico mais elevado necessitam de investir mais em I&D. O crescimento e a multiplicação de empresas inovadoras também devem ser apoiados para garantir uma base mais alargada de I&D privada para impulsionar o sistema.
7. As formações avançadas ainda não estão refletidas no emprego em investigação e inovação
Portugal e Espanha investiram significativamente na formação de jovens investigadores, através do apoio a programas de formação de doutoramento, melhorando a base de recursos humanos para investigação e inovação (I&i). No entanto, as significativas melhorias nas qualificações dos recursos humanos nos dois países ainda têm de alcançar um impacto semelhante na economia ou no emprego de investigadores no sector privado. A percentagem de investigadores no sector privado em Portugal e Espanha é bastante inferior à média da UE. Isto reflete os níveis comparativamente baixos de investimento privado em I&D, sugerindo também que ainda é necessário desenvolver uma maior confiança e aprendizagem entre as universidades e as empresas para facilitar a mobilidade de pessoas e conhecimento. Um maior investimento empresarial em I&D poderia conduzir a maiores oportunidades para a geração mais nova, mais qualificada, que ainda não vislumbra facilmente uma carreira de investigação no sector privado no seu país. O seu conhecimento, experiência e talento serão essenciais no sector empresarial para a geração de novas ideias, para o desenvolvimento de inovações e para contribuírem para o aumento do progresso económico e social, a transformação da estrutura da economia e uma maior convergência com o resto da UE.
8. A qualidade e o impacto dos sistemas de investigação e inovação necessitam de ser melhorados
O investimento em I&i aumentou substancialmente em ambos os países. É necessário que continuem a apoiar esta tendência para alcançarem os objetivos de investimento existentes, mas também é importante que a qualidade e o impacto desses investimentos melhorem. Embora se tenha assistido a um crescimento significativo das publicações científicas durante as últimas décadas, ainda existe um fosso no impacto científico, como indicado pelas percentagens nacionais de Portugal e Espanha entre as publicações mais citadas do mundo.
Os pedidos de patentes também têm um atraso significativo, designadamente no sector empresarial. Podem ser alcançadas melhorias no impacto socioeconómico da investigação se o foco não se centrar apenas na resolução destas diferenças estruturais, mas se centrar também no equilíbrio de um aumento de resultados com um maior foco no impacto social e económico. Especificamente, os países devem abordar os desafios globais, como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Fazê-lo pode contribuir para prestar um maior apoio da sociedade para a investigação académica, melhorando as colaborações entre os agentes sociais e económicos e aumentando o fluxo de doutorados e o seu impacto na sociedade.
9. Os mesmos desafios, estruturas e recursos diferentes
Estes dois sistemas públicos de investigação e inovação evoluíram institucionalmente de formas diferentes. Em Portugal houve uma proliferação de novas instituições, em diferentes modelos e fases, que criou um conjunto independente de institutos de investigação autónomos face às universidades. Este crescimento institucional continuou mais recentemente com a criação de laboratórios colaborativos que envolvem a academia, empresas, a Administração Pública e organizações de economia social.
Em Espanha o sistema foi desenvolvido pelo governo nacional com base em dois sectores principais (universidades e laboratórios de I&D do governo), enquanto os governos regionais promoveram a emergência de um novo sector de instituições autónomas de investigação. Estas instituições funcionaram à margem das instituições tradicionais e foram organizadas como redes «regionais» de centros de I&D (p. ex., CERCA na Catalunha, IMDEA em Madrid, e CIC no País Basco); adicionalmente, os governos regionais também apoiaram centros de tecnologia e investigação e organizações tecnológicas.
Ainda que estas tendências demonstrem uma convergência de trajetórias diferentes, através da diversidade institucional, também existem diferenças importantes entre os dois países: em Portugal, embora os órgãos regionais se tenham envolvido mais nas políticas de I&i, a dimensão nacional continua a ser fulcral. Em Espanha, o processo de descentralização política também teve impacto no sistema de investigação e inovação, com uma grande percentagem dos fundos públicos a ser gerida regionalmente.
10. Duas crises paralelas: do impacto significativo à recuperação rápida?
A seguir à crise de 2008, Portugal e Espanha enfrentaram um retrocesso no processo de convergência do rendimento per capita, em especial relativamente aos países líderes da UE. O retrocesso é mais pronunciado na I&D e afeta a migração de investigadores e de jovens talentos. O impacto da recente crise pandémica ainda não é plenamente evidente, mas existem sinais de uma recuperação mais rápida no investimento em I&D. De facto, em diversos países, incluindo Portugal e Espanha, a pandemia promoveu novas formas de cocriação entre investigadores da academia, empresas e utilizadores em resposta à emergência sanitária. Enquanto as instituições públicas forneceram rapidamente financiamento de emergência para a investigação que visava a pandemia, os intervenientes da I&i também tomaram a iniciativa de desenvolvimento de soluções locais, como testes covid-19 e vacinas, ventiladores, equipamento de proteção, e partilha aberta de resultados e de dados.
A prontidão demonstrada pelo sistema de I&i para fazer face a uma emergência social foi geralmente vista como positiva pelos cidadãos, como demonstra o último Eurobarómetro sobre atitudes do público relativamente à Ciência.
Em Portugal e Espanha, como mais amplamente na Europa, a confiança dos cidadãos na Ciência como fonte de soluções para problemas da sociedade aumentou ao longo da pandemia, e os cientistas continuam a ser altamente respeitados pelos cidadãos em ambos os países, especialmente em Portugal. No entanto, essa confiança não é ilimitada e, nos dois países, os cidadãos reconhecem a importância do envolvimento de não cientistas na investigação e inovação para garantir que os valores e as expectativas da sociedade são devidamente considerados no processo. Mais de metade dos inquiridos do questionário do Eurobarómetro em Portugal e Espanha acreditam que a Ciência é muito complexa e dizem que não sabem muito sobre o assunto (demonstrando uma confiança e conhecimento inferiores aos da média europeia). Ao mesmo tempo, mais de metade indicam ter interesse em saber mais sobre os desenvolvimentos da investigação.
Com o forte apoio europeu através dos Fundos de Recuperação e Resiliência, Portugal e Espanha podem emergir mais rapidamente da crise atual do que da anterior. Contudo, o desafio mantém-se para melhorar o investimento, aumentar o impacto, criar condições para atrair talento avançado e promover mudanças estruturais em direção a uma economia baseada no conhecimento, respondendo simultaneamente às transições digital e climática.
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