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1Argumenta-se muitas vezes que a imigração gera uma fuga de talentos e de empreendedorismo nos países de origem..
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2O presente estudo pretende analisar se os migrantes que chegaram a diferentes países europeus estão mais motivados do que os seus compatriotas que não migraram em três aspetos: orientação para o sucesso, orientação para o risco e orientação para o dinheiro.
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3Não existe um padrão universal que se aplica à seleção de imigrantes, em alguns casos a seleção é positiva e noutros é negativa.

Em média, os migrantes, no conjunto dos países considerados neste estudo, pontuam mais do que os seus compatriotas que não migraram nas escalas de orientação para o sucesso, orientação para o risco e orientação para o dinheiro. Contudo, embora a seleção positiva destas características motivacionais se mantenham em certas combinações origem-destino (por exemplo, em europeus residentes noutros países da Zona Euro em que é partilhada uma língua comum), noutras combinações ocorre o contrário, como, por exemplo, no caso dos europeus do Leste noutros países da União Europeia, ou marroquinos em Espanha ou turcos em países europeus ricos.
Introdução
Na literatura especializada, assume-se frequentemente que aqueles que emigram para outros países são pessoas particularmente ambiciosas e orientadas para o sucesso. Isto significa que os emigrantes são selecionados positivamente em certas orientações psicológicas em relação aos seus compatriotas que permanecem no país de origem e, portanto, que a emigração gera uma fuga de talentos e de empreendedorismo nos países de origem. No entanto, embora diferentes estudos tenham confirmado esta seleção positiva em termos educacionais (ou seja, que em média os emigrantes têm qualificações mais elevadas do que os seus compatriotas que não migraram), a possível seleção positiva de migrantes em termos das suas orientações psicológicas raramente tem sido abordada empiricamente.
O principal objetivo desta investigação é avaliar se os migrantes que chegaram a diferentes países europeus são mais orientados para o sucesso do que os seus compatriotas que não migraram. Com esta finalidade, foi realizado o primeiro estudo comparativo sobre a seleção de emigrantes na esfera do que se poderia denominar “orientações motivacionais relacionadas com o sucesso”. Este conceito refere-se a um conjunto de orientações internas que guiam as ações e o comportamento das pessoas, especialmente em contextos hierárquicos e competitivos. O estudo da seleção nas orientações motivacionais para o sucesso é de grande relevância para a compreensão do impacto da imigração, tanto nos países de origem como nos de destino, e mais especificamente para o estudo da incorporação socioeconómica dos imigrantes.
Os resultados deste estudo mostram que não existe um padrão universal que pode ser aplicado à seleção de imigrantes; em alguns casos a seleção é positiva e noutros é negativa. Por conseguinte, tanto o país de origem como a combinação origem-destino são relevantes para compreender a dinâmica de seleção de indivíduos nos seus projetos migratórios. De facto, esta investigação revela que, ao contrário de outros países, Espanha não se caracteriza por atrair os imigrantes mais orientados para o sucesso.
1. A medição das orientações motivacionais de migrantes e não migrantes
Uma primeira análise descritiva mostra que, em média, os migrantes, no conjunto de países considerados neste estudo, pontuam mais do que os seus compatriotas que não migraram nas escalas de orientação para o sucesso, orientação para o risco e orientação para o dinheiro (Figura 1).
Para medir estes aspetos, foi criada uma escala que integra três traços motivacionais estreitamente relacionados com o sucesso: orientação para o sucesso, orientação para o risco, e orientação para o dinheiro. Os dados foram recolhidos de inquéritos nos quais os inquiridos foram questionados sobre o quanto se parecem com alguém para quem é importante ser muito bem-sucedido e reconhecido pelos outros (orientação para o sucesso), assumir riscos (orientação para o risco), e ter muito dinheiro e possuir coisas caras (orientação para o dinheiro). A partir destes três elementos, foi criado um indicador para recolher informação das diferentes dimensões.
Estas orientações motivacionais, relacionadas com o sucesso e analisadas nesta investigação, fazem parte dos traços de personalidade ou competências não cognitivas amplamente estudados na que se denominou economia comportamental (behavioural economics), e têm uma grande relevância na trajetória de trabalho dos indivíduos (Bowles et al. 2001, Cunha e Heckman, 2007). Estas orientações são adquiridas muito cedo através de processos de socialização, provavelmente em combinação com certos traços de personalidade, sendo muito estáveis ao longo da vida adulta de uma pessoa.
O objeto do presente estudo é estabelecer uma comparação entre migrantes e os seus compatriotas que não migraram. Para isso, é necessário recolher informações de diferentes países. Por exemplo, para poder comparar apenas brasileiros que migraram para Portugal com brasileiros que não migraram, seria necessário não só obter informação recolhida em Portugal (apenas de brasileiros que são migrantes), mas também no Brasil (apenas de brasileiros que não migraram). Para poder estudar diferentes grupos de migrantes de países com distintos níveis económicos e distâncias culturais, foram utilizadas duas fontes de dados: por um lado, o Inquérito Social Europeu, que recolhe informação sobre migrantes residentes na Europa de países muito diferentes, dentro e fora da Europa; e, por outro lado, o Inquérito Mundial de Valores, que permite analisar residentes em países não europeus (por exemplo, Brasil, Marrocos, etc.) comparando-os com os seus compatriotas que migraram. Desta forma, foi possível comparar os traços motivacionais de, por exemplo, brasileiros que migraram para Portugal com brasileiros com as mesmas características, tais como idade ou nível educacional, que continuam a viver no Brasil.
Finalmente, para evitar confundir a seleção com um possível efeito de aculturação ou assimilação no país de destino, as análises foram circunscritas a migrantes que não residam no país de destino há mais de cinco anos. Além disso, foram aplicados vários testes adicionais visando garantir que todos os resultados são mantidos mesmo quando se consideram possíveis experiências que podem afetar as orientações, tais como o desemprego ou o isolamento social. No total, foram consideradas onze combinações de países de origem e de destino. Os grupos de origem e destino considerados são britânicos na Irlanda, alemães na Suíça e Áustria, franceses na Bélgica, Luxemburgo ou Suíça, polacos no Reino Unido e Irlanda, polacos nos países escandinavos, romenos em Espanha, romenos em países europeus ricos, turcos em países europeus ricos, brasileiros em Portugal, andinos (colombianos, equatorianos e peruanos) em Espanha e marroquinos em Espanha.
Para além do que é mostrado na Figura 1, o que é interessante não é tanto a análise conjunta de todos os países de origem e destino, mas sim os casos particulares de certas combinações de origens e destinos.
2. Os “mais ambiciosos” nem sempre são os que emigram
Todos os países de destino considerados na presente análise são europeus, com diferentes níveis de desenvolvimento económico e de proximidade cultural com os países de origem analisados. De todas as combinações de países emissores e recetores de fluxos migratórios consideradas, foram identificados três grandes grupos: migrantes europeus residentes noutros países da Zona Euro onde uma língua comum é partilhada, migrantes da Europa do Leste e, finalmente, migrantes de fora da União Europeia.
Em relação ao primeiro grupo, o dos europeus residentes noutros países europeus onde uma língua comum é partilhada (Figura 2A), pode-se pensar que o facto de partilhar uma língua e de não ter restrições legais à mobilidade faria com que os migrantes estivessem menos positivamente selecionados. Por outras palavras, a previsão da literatura seria precisamente que a ausência de barreiras linguísticas e físicas acabaria por reduzir os custos de migração e explicaria porque os migrantes estão menos selecionados, porque os custos económicos e psicológicos de emigrar são mais baixos. Porém, os resultados empíricos contradizem as expectativas teóricas: o que se observa é que tanto os britânicos na Irlanda, os alemães na Suíça e Áustria ou os franceses na Bélgica e Suíça são selecionados positivamente conforme os traços motivacionais considerados neste estudo. Isto significa que estes europeus que migram para outros países próximos e com os quais partilham uma língua têm uma maior orientação para o sucesso, para o risco e para o dinheiro do que os seus compatriotas com características semelhantes que não migraram.
O segundo grupo, o dos migrantes dos Países do Leste da União Europeia residentes noutros países da UE (Figura 2B), permite fazer uma análise muito interessante porque, dado o número de observações recolhidas no Inquérito Social Europeu, é possível estudar uma mesma origem em destinos diferentes. Mais especificamente, este estudo abordou o caso dos polacos no Reino Unido e Irlanda, por um lado, e dos polacos nos países escandinavos, por outro. Igualmente foram estudados os romenos em Espanha, por um lado, e os romenos residentes em países europeus com um elevado nível de rendimento, por outro lado. Os resultados evidenciam a relevância do país de destino: uma vez consideradas as suas características sociodemográficas, os romenos em Espanha estão selecionados negativamente, enquanto as diferenças são muito menores (e não estatisticamente significativas) no caso dos migrantes romenos em países europeus ricos. O grau de semelhança linguística, o nível de acesso aos serviços, proteções e benefícios sociais e, sobretudo, a estrutura do mercado de trabalho estão provavelmente por detrás do facto de se observar uma seleção negativa em Espanha, que não ocorre noutros países europeus com níveis de rendimento mais elevados e economias mais dinâmicas do que a espanhola.
Por último, o terceiro grupo, migrantes de fora da União Europeia (Figura 2C), mostra uma notável seleção negativa de marroquinos em Espanha e turcos em países europeus ricos; enquanto a seleção é claramente positiva no caso de brasileiros em Portugal e de migrantes latino-americanos de países andinos residentes em Espanha. Isto quer dizer que, o mesmo destino, Espanha, regista uma seleção negativa num grupo de migrantes (marroquinos, especialmente mulheres) e uma seleção positiva noutro grupo (latino-americanos, especialmente no caso dos homens). Este efeito do género diferente conforme o país de origem pode ser em grande parte explicado pelas diferentes motivações migratórias de cada um, nomeadamente no caso das mulheres marroquinas, cujos projetos migratórios costumam estar subordinados aos dos seus parceiros.
Quando considerados no seu conjunto, estes resultados sugerem um padrão complexo e não universal de seleção nas motivações dos migrantes. Nem todos eles estão selecionados positivamente, como uma grande parte da literatura pressupõe. De facto, não existem provas que evidenciam que os países pobres sejam sistematicamente os mais afetados por uma fuga dos seus cidadãos mais orientados para o sucesso. Muito pelo contrário, observam-se claros indícios de seleção positiva para indivíduos de países europeus ricos que migram para outros países ricos e culturalmente próximos. Isto provavelmente é devido às oportunidades de melhoria do emprego e crescimento profissional que a mobilidade dentro da União Europeia oferece aos trabalhadores da UE, mas não tanto para os que vêm de fora da União.
3. Referências
BOWLES, S. H, GINTIS e M. OSBORNE (2001): “The determinants of earnings: A behavioral approach”, Journal of Economic Literature, 39(4).
CUNHA, F., e J. HECKMAN (2007): “The technology of skill formation”, American Economic Review, 97(2).
POLAVIEJA, J., M. FERNÁNDEZ-REINO e M. RAMOS (2018): “Are migrants selected on motivational orientations? Selectivity patterns amongst international migrants in Europe”, European Sociological Review, 34(5).
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